"Tempo dos pequenos passos" por Pe. Aldino Kiesel

23/03/2020

V+J

Ficar três a quatro meses em casa? Fazer o que? Não vou aguentar? É muito tempo?...

Perguntas como essas nos rodeiam e, por vezes, nos angustiam. Gostaríamos de já estar no final da crise, mas não estamos; estamos apenas no começo.

Crise é tempo de voltar ao essencial. É oportunidade que a vida nos oferece. A oportunidade está aí; tempo disponível temos. A vida é muito curta para agarrar-nos simplesmente ao passageiro, ao que não dura, ao superficial, ao que nos promete felicidade, mas acaba em ilusão. Crise é tempo de descobertas. Ou redescobertas. Tempo de sermos curados das nossas cegueiras, levantar-nos e recomeçar.

É tempo de darmos pequenos passos. Não pensemos em como vai ser daqui a três, quatro meses, ou daqui a um ano. Fixemos o coração e a mente no que podemos fazer agora, hoje. E, como diz São Francisco de Sales, “o mesmo bom Deus que cuida de você hoje, vai também cuidar de você amanhã e sempre”.

É da vida e dos escritos desse santo, de sólida e comprovada espiritualidade do dia a dia, que aqui nos inspiramos. Ele ajuda-nos a vivemos no momento presente, a não nos angustiarmos com o amanhã, a confiarmos totalmente na bondade de Deus.

Não pensemos que isso significa cruzar os braços e simplesmente esperar que “Deus vai resolver tudo”. Uma criança que confia em sua mãe não fica toda vida no colo da mãe. Ela precisa aprender a caminhar, mesmo caindo de vez em quando. Deus nos quer adultos na fé.

“Tenha paciência com todos. Em primeiro lugar, porém, consigo mesmo... Alegro-me que você comece cada dia de novo. Não há meio melhor de realizar bem a vida espiritual que começar sempre de novo” (S. Francisco de Sales, Carta para a senhora Madeleine de la Fléchère, em 19.05.1608).

Esse santo nos convida a caminhar na simplicidade. Olhemos para o caminho que está à nossa frente hoje, agora, e não para os perigos que de longe nos ameaçam. Aquilo que está longe, à minha frente, pode parecer um exército inteiro; quando chego perto talvez vou descobrir que eram apenas tocos de árvores secas.

Ele lembra o que já disse o próprio Jesus: “Não se preocupem com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas próprias preocupações” (Mateus, 6,34).

“Andemos bem direitinho na terra firme, porque o alto mar provoca tonturas e mal-estar. Conservemo-nos aos pés do Salvador, junto com Maria Madalena (Lucas 10,39)... Pratiquemos pequenas virtudes adaptadas a nossas limitações. Não tentemos coisas que vão além das nossas capacidades” (S. F. S., Carta a Senhorita de Soulfour, em 22.07.1603).

Ele nos incentiva a sermos quem somos, a não querermos ser anjos, mas acolher o fato de que somos criaturas humanas, filhos e filhas que o bom Deus ama.

Ele nos lembra as palavras cheias de carinho e bondade de Jesus: “Aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para suas vidas” (Mateus 11,29). “Não quero uma vida cristã fantasiosa, rabugenta, melancólica, aborrecida e cabisbaixa; mas uma vida cristã mansa, gentil, agradável e pacífica. Numa palavra: uma religiosidade bem sincera, que será amada por Deus e pelas pessoas” (S. F. S., Carta para a Sra. de Limonjon, em 28.06.1605).

Assim, não joguemos fora nada do que acontece em nossa vida. Procuremos olhar para este tempo tão particular, em que nos sentimos limitados e quase que constrangidos a ficarmos em nossas casas, como um tempo de oportunidades. Fecha-se uma porta, e abrem-se várias. É tempo de voltarmos ao essencial da vida, ao que nos realiza mais plenamente. É tempo de abandonar o efêmero, o superficial, o ilusório.

Ao começar o dia, olhe para o hoje. Não olhe para como vai ser daqui a três meses. Como vou viver no dia de hoje? O que quero evitar hoje (palavras, atitudes...)? O que posso fazer de bom hoje que não fiz ontem? Ame hoje a quem precisa ser amado; não deixe para amanhã oferecer o perdão a quem você pode perdoar hoje. Liberte-se! Liberte seu coração! Sem medo. Você só tem a ganhar.

E amanhã de manhã comece de novo.

Grandes oportunidades de servir a Deus apresentam-se raras vezes, mas as pequenas são frequentes. Faça todas as coisas em nome de Deus, e fará todas elas bem feitas (cf. S.F.S., Introdução à Vida Devota, III, 35).

Encha seu coração de coragem em cada manhã. E sua coragem de alegria!

Deus seja bendito!

Pe. Aldino José Kiesel, OSFS