Sérgio Moro e a defesa de Hart

08/11/2018

O recente convite do Excelentíssimo Juiz Federal Sérgio Moro para ocupar o cargo de Ministro da Justiça a partir de janeiro de 2019 trouxe muito debate sobre o tema da imparcialidade dos magistrados no exercício de sua função. Trata-se de um momento valioso para tentar enriquecer a discussão. Seriam alguns julgamentos atos políticos?
O inglês Herbert Lionel Adolphus Hart (1907-1992) tentou responder essa pergunta especialmente em uma obra chamada “O conceito de Direito” (“The Concept of Law”), de 1961. Embora já falecido, seu pensamento é considerado um referencial para essa resposta. Para alguns autores, representa o pensamento majoritário não apenas no Brasil, mas também no mundo.
Segundo Hart, seja qual for a estratégia utilizada pelo sistema jurídico, baseado em leis ou em precedentes judiciais, “esses padrões [...] se mostrarão imprecisos em algum ponto, quando sua aplicação for posta em dúvida, terão o que se chama de textura aberta”. Ele considera que existem pontos onde a mera leitura da lei ou do precedente é suficiente para resolver uma demanda, mas existem outros em que o aspecto vago da norma confere ao magistrado liberdade para escolher entre as interpretações possíveis. Pensa, portanto, para irritação de seus críticos (como Ronald Myles Dworkin), que o juiz cria direito nessas situações onde o sistema não lhe confere uma resposta correta.
Para Hart, “todo sistema jurídico deixa em aberto um campo vasto e de grande importância para que os tribunais e outras autoridades possam usar sua discricionariedade no sentido de tornar mais precisos os padrões inicialmente vagos, dirimir as incertezas contidas nas leis ou, ainda ampliar ou restringir a aplicação de normas transmitidas de modo vago pelos precedentes autorizados”. Desse modo, o autor inglês acredita que o juiz tem poder discricionário, isto é, um poder de livre escolha. Um poder, nesse sentido, político.
É claro que Hart não compreende que tal poder pode ser considerado uma autorização para arbitrariedades. Refere que o magistrado “deve ser sempre capaz de justificar suas decisões mediante algumas razões gerais, e deve atuar como faria um legislador consciencioso, decidindo conforme suas próprias convicções e valores”. Em outras palavras, seu livre exercício de julgar impõe, por outro lado, o dever de fundamentar suas decisões de tal modo que encontrem coerência mínima com o sistema.
Neste ponto, municiado pelos escritos de Hart, retorno ao debate sobre o juiz Sérgio Moro. Ele agiu nos julgamentos de sua carreira com base em um poder discricionário ou político? Sim, simplesmente pelo fato de que todos os magistrados têm essa atribuição. Ele emitiu decisões equivocadas, ao utilizar esse poder? Sim, tanto que várias de suas sentenças foram reformadas em grau de recurso. Ele emitiu decisões que demonstraram um bom uso do poder? Sim, pois outras tantas decisões não foram reformadas.
Além disso, nenhum juiz é neutro, ninguém sério na ciência jurídica acredita que o ser humano pode ser privado de sua personalidade ao assumir a função de magistrado. O que lhe é cobrado é o silêncio quanto a suas preferências político-partidárias e a imparcialidade no tratamento das partes no processo. Posturas essas que Sérgio Moro sempre observou.
Lembremos que, não faz muito tempo, José Antonio Dias Toffoli, depois de construir uma longa carreira na advocacia, muito próximo de um partido político, foi nomeado para o Supremo Tribunal Federal. Ministro esse que, inclusive, julgou pessoas das quais foi subordinado, referindo que não se sentia suspeito ou impedido para causa.
Nem mesmo a consulta ao oráculo de Delfos prescindia do intermediário humano. Com a Justiça não é diferente. Ao fim e ao cabo, trata-se de um ser humano tentando decidir com o que tem de melhor. Ele está tão certo, errado ou, simplesmente, político quanto qualquer um de nós.