O papai, a KGB e os tipos de gente
21/02/2025

- No mundo tem todo tipo de gente papai? Meus filhos de cinco anos, Óliver e Vicente, fizeram-me essa pergunta, ao entrar no pequeno escritório que mantenho em casa. Como duas tempestades tropicais, disputaram a dianteira na corrida até que, depois de uma desaceleração brusca, fitaram meu rosto com a seriedade de agentes da KGB, a polícia política da antiga União Soviética.
As crianças são a essência da filosofia, elas nos convidam a lembrar de perguntas que não fazemos mais, é como se refizéssemos o caminho da infância. Ignorei a preocupação sobre a origem da dúvida, antevendo que certamente se tratava de um conteúdo que atravessou a cortina de ferro de cuidados dos pais pela facilitação liberal dos avós. Decidi testar a atenção deles com uma resposta mais elaborada.
Depois de buscar dois livros em minha biblioteca, coloquei um sentado em cada perna e respondi: - Da perspectiva dos tipos psicológicos, não acredito que tenhamos uma variedade muito grande. Expliquei para eles que, embora exista uma variedade quase infinita de decisões na vida de cada uma das pessoas, que levam a diferentes caminhos, eu acreditava que existiam realmente tipos psicológicos limitados.
Contei que um antigo médico chamado Cláudio Galeno (129-216 d.C.) foi responsável por difundir esse pensamento, ao se tornar médico de imperadores romanos: Marco Aurélio, Cômodo e Sétimo Severo. Ele se formou em Pérgamo, onde havia uma das bibliotecas mais famosas do mundo antigo e um templo dedicado a Asclépio, o deus grego da medicina e da cura (seu bastão está no símbolo da medicina moderna). Lá já era ensinada essa lição, atribuída a Hipócrates (460-377 a.C.).
Galeno acreditava que o equilíbrio ou o excesso de certos fluidos no corpo determinava características físicas e psicológicas: além do tipo equilibrado, existia o sanguíneo (sangue), extrovertido, otimista, sociável; o colérico (bile amarela), enérgico, impulsivo, dominante; o melancólico (bile negra), introspectivo, sensível, artístico, e o fleumático (fleuma), calmo, metódico, pacífico.
Expliquei também que a ciência refutou a teoria de que os fluidos (ou humores) influíam no corpo, ainda que a língua tenha incorporado os termos, e seguiu investigando a hipótese aparentemente verossímil da existência de tipos psicológicos. Carl Gustav Jung (1875-1961), fundador da psicologia analítica, foi um dos principais pesquisadores a retomar, modernamente, o tema.
Para ele, os tipos psicológicos decorreriam da diferença de percepção e interação das pessoas com o mundo. As diferenças estariam relacionadas a quatro funções psicológicas principais (pensamento, sentimento, sensação e intuição), e duas atitudes fundamentais (extroversão e introversão). A partir desses elementos e suas combinações, Jung propôs a existência de oito tipos psicológicos principais.
Vários instrumentos de avaliação psicológica foram criados com base na teoria de Jung. Isabel Briggs Myers e sua mãe, Katharine Cook Briggs, por exemplo, propuseram um instrumento de avaliação psicológico chamado de MBTI (Myers-Briggs Type Indicator). Nesse instrumento são descritos dezesseis tipos psicológicos. E muitos outros foram criados, como extensão da teoria de Jung ou como teoria com fundamento próprio. Mesmo sem consenso (nunca haverá na ciência), observamos uma tendência ao reconhecimento de um número reduzido de tipos psicológicos.
Respondi para eles que eu não acreditava que no mundo existia “todo tipo de gente”, porque isso poderia considerar possíveis perfis de existência fora do grande sistema social e das limitações físicas humanas (como a maior parte dos heróis da Marvel). Mesmo assim, enfatizei que os apoiaria na construção de suas identidades, que respeitaria as características dos tipos de personalidade que desenvolvessem. Só não abriria mão do intransigente respeito à Lei e à Ética.
Afinal, se as personalidades são múltiplas, as inteligências também são. E, como refere o psicólogo Howard Gardner, que liderou pesquisas revolucionárias na Universidade de Harvard sobre o tema, cabe a nós ajudar nossos filhos a encontrarem seu caminho, dentro de suas habilidades.
No final, depois de minha longa explicação, eles riram e colocaram um ponto final na minha verborragia: - Não papai, todo tipo de gente ... alto, baixo, gordo, magro ... isso. Diante do meu exagero (que revela minha percepção de mundo e atitude), decidi redigir este texto para economizar tempo em uma abordagem futura de meus jovens pesquisadores.
Por: Vagner Felipe Kühn
@vagnerfelipekuhn