Morte de recém-nascido em espera por leito de UTI neonatal em FW expõe crise no atendimento infantil da região

12/04/2024

Cerca de 25 dias após a mobilização da Associação em Prol de UTIs Neonatais e Pediátricas no Rio Grande do Sul (AUNP-RS), que aconteceu em Frederico Westphalen (FW) com o intuito de chamar a atenção das autoridades regionais para a melhoria do atendimento em saúde infantil na região Noroeste, no último sábado, 6 de abril, um recém-nascido prematuro veio a óbito enquanto aguardava por um leito de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) neonatal, no Hospital Divina Providência, em FW. A mãe e o bebê, Anthony de Lima Almeida, esperaram cerca de nove horas pelo encaminhamento adequado.

Em Três Passos, a 81 quilômetros de Frederico Westphalen, a realidade não é diferente, com a cidade registrando duas mortes de bebês prematuros que aguardavam por UTI neonatal em menos de 20 dias no mês de janeiro. Nesse município, assim como em Frederico Westphalen, Passo Fundo e Erechim são as referências para atendimento intensivo neonatal, implicando em uma viagem de aproximadamente três horas.

A falta de unidades de UTI neonatal em diversas regiões do Rio Grande do Sul tem sido motivo de preocupação para entidades como a Associação Pró-UTI Neonatal e Pediátrica do Rio Grande do Sul e o Sindicado Médico do RS (Simers), que alertam para a necessidade urgente de abertura de leitos em hospitais gaúchos.

O presidente da Associação Pro-UTI Neonatal e Pediátrica do Rio Grande do Sul, Clayton Braga Correa, relatou que, no mesmo dia da morte do recém-nascido em Frederico Westphalen, a associação recebeu dois chamados na região, conseguindo resolver um deles a tempo. Ele ressaltou as dificuldades enfrentadas, destacando a falta de estrutura como uma situação recorrente na saúde infantil. “Os piores indicadores são da nossa região, a região Norte, Noroeste, a região de Palmeira das Missões, Frederico Westphalen, região do Alto Uruguai, de Santa Rosa para cá, a nossa região é a mais carente porque não temos leitos de UTI neonatal, a mais próxima é de Ijuí em 160 quilômetros, depois é Passo Fundo, que está sempre lotada”, diz Correa.

Mais de 100 cidades não têm pediatras cadastrados para atuação

Segundo dados do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), mais de 130 cidades no estado estão sem pediatras cadastrados para atuação, e mais de 30 maternidades foram fechadas nos últimos cinco anos. A redução nas vagas em UTIs neonatais foi de 16% desde 2019.

Os municípios do Corede e Médio Alto Uruguai que estão desassistidos de pediatra, de acordo com o Simers são, Boa Vista das Missões; Cerro Grande; Cristal do Sul; Dois Irmãos das Missões; Engenho Velho; Gramado dos Loureiros; Jaboticaba; Lajeado do Bugre; Liberato Salzano; Novo Tiradentes; Pinhal; Pinheirinho do Vale; Rio dos Índios; São Pedro das Missões; Vicente Dutra; e Vista Alegre.

UTIs neonatais referências para a região estão com leitos lotados

As UTIs neonatais, como o Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) e Hospital de Clínicas, estão operando com a capacidade máxima nos últimos dias, o que vem preocupando ainda mais a população. Com o objetivo de solicitar uma atitude urgente do Estado, o coordenador do Núcleo de Pediatria do Simers, Daniel Wolff, esteve reunido com o presidente da Câmara de Porto Alegre, Mauro Pinheiro, apresentando uma carta aberta que conta com o apoio da Sociedade de Pediatria do RS. O texto aponta os principais gargalos do atendimento de zero a 14 anos em solo gaúcho. “Infelizmente, os números mostram que, além de 131 municípios não contarem com pediatras, temos uma redução de 11% dos leitos pediátricos e cirúrgicos nos últimos cinco anos, sendo 13% apenas pelo Sistema Único de Saúde”, afirma Wolf.

A carta elaborada pelo Simers foi assinada por mais de 200 pediatras, durante o XVI Congresso Gaúcho de Atualização em Pediatria, realizado de 4 a 6 de abril, na Capital. Ela também foi entregue à assessoria do governador Eduardo Leite e protocolada na presidência da Assembleia Legislativa do RS (ALRS) e na Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre.

Pacientes que necessitam de atendimento especializado são regulados conforme avaliação técnica de profissionais

Questionada pela Tribuna da Produção, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) se manifestou informando que todos os pacientes que necessitam de atendimento especializado são regulados conforme avaliação técnica de profissionais de saúde do município de origem e da Central de Regulação. “Cada caso é uma situação diferente que tem o óbito investigado”, informou a pasta.

Simers considera urgente a ampliação de leitos de UTI Neonatal no estado

Para o coordenador do Núcleo de Pediatria do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Daniel Wolff, a falta de uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Neonatal em Frederico Westphalen é uma realidade que se repete em outros municípios e reflete a crise vivenciada pelos pacientes infantis em todo o estado. “Tanto em Frederico quanto em Palmeira das Missões, temos um número adequado de pediatras para atender a população. Entretanto, a falta de leitos para casos graves de recém-nascidos é um drama que os médicos enfrentam nos hospitais, pois precisam encaminhar os casos para as cidades de referência e acabam ficando reféns do sistema de regulação”, ressalta Daniel.

Ele explica que, no que se refere a Frederico Westphalen, os hospitais de referência mais próximos para receber estes casos ficam localizados em Erechim e Passo Fundo, distantes cerca de 150 quilômetros. Mas, devido às condições da estrada, o trajeto pode levar duas horas. “A crise no atendimento infantil, que abrange desde a má distribuição de pediatras até o fechamento de leitos e serviços especializados, já vem sendo alertada pelo Simers na campanha S.O.S. Pediatria e faz parte do conteúdo elaborado pela entidade na Carta Aberta, que foi entregue aos principais atores do poder público do estado”, diz o coordenador do Núcleo de Pediatria do Simers.

No documento, o Simers pede atenção à urgente necessidade de ampliação de vagas em pediatria. De acordo com dados preliminares da Secretaria da Saúde do RS, foram registrados 15.559 nascimentos de crianças com menos de 37 semanas, as quais são consideradas prematuras, em 2022. O número corresponde a 12,86% do total dos 120.936 bebês nascidos vivos no estado. E, para atender a esta demanda, seriam necessários 480 leitos de UTI Neonatal pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo o que é preconizado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), de quatro leitos para cada grupo de mil nascidos vivos. Hoje, temos 338 leitos disponíveis, o que representa 142 a menos do que é considerado ideal.

“No caso da região de Frederico Westphalen e Palmeira das Missões, é preciso uma política que garanta as vagas nos hospitais existentes ou a instalação de um hospital terciário na região, com Centro Obstétrico e UTI Neonatal”, destaca o diretor do Simers na região Noroeste, Ricardo Severo.

Questionados sobre a carta, a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul salienta que a contratação de profissionais acontece de acordo com a solicitação do Ministério da Saúde e Organização Mundial. “A contratação de profissionais é realizada por municípios e serviços de saúde. O quantitativo de leitos leva em conta o que é preconizado pelo Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde”, complementa a pasta.