Maria da Penha: O que temos a comemorar nos 14 anos da lei?

07/08/2020

Nesta sexta-feira, 07, completam-se 14 anos de vigência da Lei Maria da Penha (lei 11.340/06), sancionada em 7 de agosto de 2006, que estabeleceu mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Segundo a lei, agressão não é apenas aquela que deixa marcas físicas. Embora a violência física e o abuso sexual sejam mais evidentes, outras formas de violência, como a psicológica, que causa maior sofrimento, também podem ser punidas.

À frente da Delegacia de Polícia Civil de Palmeira das Missões, desde 2014, a delegada Cristiane Van Riel dos Santos, fala nesta entrevista do trabalho desenvolvido na unidade policial e de sua experiência com os crimes de violência doméstica e familiar.

A delegada também destaca os avanços alcançados pelas mulheres vítimas de violência doméstica com a criação da Lei Maria da Penha, como a adoção de medidas de proteção de urgência encaminhadas em 48 horas as Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar e da mudança nos procedimentos das Delegacias Especializadas de Defesa da Mulher para o atendimento diferenciado das vítimas.

No primeiro semestre de 2020 até o momento, na Delegacia da Mulher de Palmeira das Missões foram instaurados 261 procedimentos policiais e realizadas cerca de 300 ocorrências. Aproximadamente 20 pessoas foram presas no período, entre presos preventivos e os autuados em flagrante.

TP: Neste dia 07 de agosto, a Lei Maria da Penha completa 14 anos, quais foram as conquistas das mulheres com a lei?

Cris: Com o advento da Lei Maria da Penha, as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar passaram a receber atenção e proteção especial da legislação, considerando sua condição de vulnerabilidade. A violência doméstica passou a ser definida em legislação, o que não ocorria anteriormente; a lei vedou a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, como a fixação de pagamento de cestas básicas; possibilitou a decretação de prisão preventiva do agressor quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher, entre outras regras criadas para a proteção das mulheres vítimas. Ainda, importante destacar que uma das alterações ocorridas na Lei Maria da Penha passou a descrever como crime a conduta do agressor que descumpre medida protetiva de urgência deferida pelo Poder Judiciário a favor da vítima.

TP: Qual a importância da Lei no contexto da violência contra a mulher? A quem se aplica?

Cris: A Lei Maria da Penha passou a prever medidas para a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar em situação de risco. Além disso, foi criada uma rede de proteção para as mulheres vítimas, com políticas públicas para a garantia dos direitos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares, no intuito de resguardá-las de toda e qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A lei se aplica a mulher vítima de violência doméstica e familiar, desde que a violência ocorra no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar; no âmbito da família, formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; e, ainda, em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Importante destacar, ainda que as relações pessoais independem de orientação sexual.

TP: O que ainda falta para melhorar a eficácia da aplicação da Lei Maria da Penha?

Cris: Acredito que falta colocar em prática todas as políticas públicas previstas na lei, como criação de Casa Abrigo, por exemplo.

TP: Qual a principal mudança gerada nas Delegacias da Mulher com o advento da Lei Maria da Penha?

Cris: Os policiais civis passaram a receber cursos de aperfeiçoamento e capacitação para atendimento das mulheres vítimas de violência, assim como foram criados espaços para atendimento especializado das mulheres vítimas.

TP: Mesmo com toda a divulgação e apoio de diversos meios, muitas mulheres ainda são vítimas de violência. Na maioria dos casos, isso se deve ao medo que faz prevalecer o silêncio ou a falhas na aplicação da lei?

Cris: Não existe apenas um único motivo que justifique o fato de as mulheres permanecerem sendo vítimas de violência doméstica. Na realidade, vários fatores fazem como que elas permaneçam em silêncio, como dependência afetiva e econômica do agressor, falta de apoio da família, filhos em comuns. Além disso, muitas vezes, as mulheres nutrem sentimentos de amor e paixão pelo agressor e demonstram preocupação com o que possa acontecer com eles caso sejam denunciados.

TP: Como identificar vítimas de violência doméstica?

Cris: As vítimas de violência doméstica nem sempre demonstram estar sendo vítimas de agressões. Mas, importante ressaltar que a violência doméstica não é apenas a violência física, havendo, sim, outras formas de violência, como psicológica, moral, sexual e econômica.

Muitas vezes, as mulheres sofrem violência psicológica, mas não percebem essa situação de vulnerabilidade, podendo, inclusive, em algumas situações, confundir ciúmes (possessivo) como demonstração de carinho e afeto, quando, na realidade, ela pode estar envolvida em um relacionamento abusivo que ela não consegue perceber e do qual não consegue se desvencilhar.

TP: Em Palmeira das Missões, há muita incidência de casos de violência contra a mulher?

Cris: Palmeira das Missões possui um elevado índice de casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, talvez em decorrência de uma cultura mais possessiva e machista dos homens e, às vezes, até mesmos das mulheres. Além disso, a violência é um ciclo vicioso, pois as crianças que convivem com pais agressores acabam por reproduzir, quando adultos, o que vivenciaram enquanto crianças, tornando-se, para eles, ‘normal’ o pai agredir a mãe, motivo pelo qual reproduzem esse tratamento com suas namoradas, noivas ou esposas.

TP: Como é o trabalho desenvolvido na delegacia de Palmeira das Missões?

Cris: Palmeira das Missões não conta com uma Delegacia Especializada para atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, havendo apenas um cartório exclusivo para atendimento dos casos de violência doméstica, com uma escrivã de polícia e uma estagiária para atendimento e andamento dos procedimentos policiais.

TP: Ao decidir fazer a denúncia, quem a vítima deve procurar primeiro? O que ela deve fazer?

Cris: As vítimas de violência doméstica, ao decidirem denunciar seu agressor, podem procurar auxílio junto à Delegacia de Polícia, à Brigada Militar, à Coordenadoria Municipal dos Direitos da Mulher, ao Ministério Público. Importante destacar ainda, que as denúncias podem ser efetuadas de forma anônima, inclusive com a utilização do Disque 100, sendo as denúncias encaminhadas diretamente à Delegacia de Polícia para sua apuração.

Carine Zandoná Badke/TP